PRESENÇA INDÍGENA EM SÃO JOSÉ
DA TERRA FIRME
OS GUARANI E OS LAKLÃNÕ-XOKLENG NA HISTÓRIA
DE SÃO JOSÉ DA TERRA FIRME
Na região da Terra Firme viviam os primeiros habitantes dos territórios que os colonizadores acharam por bem chamar de São José (SC). Eram os carijó-guarani que habitavam o litoral e, mais a oeste, os Laklãnõ-Xokleng. No século XVI chegaram os primeiros navegadores e bandeirantes, porém ao longo deste século e do posterior ainda era pequena e esporádica a presença de colonizadores europeus por estes espaços. Sendo assim a população indígena ainda era grande nos sertões na época da fundação de São José da Terra Firme, em 1750. Estes viviam em seus espaços territoriais de circulação e continuavam existindo, negociando e aprendendo a lidar com as dificuldades advindas de contatos vantajosos ou infortunados com os brancos. Abaixo, algumas informações que nos auxiliam a compreender um pouco mais a trajetória dos povos indígenas pelos espaços geográficos históricos e dinâmicos deste município. Saiba mais clicando nas imagens abaixo.
Territórios indígenas tradicionais em Santa Catarina
Se analisarmos os mapas dos territórios tradicionais dos povos indígenas de Santa Catarina, perceberemos que o território de São José da Terra Firme foi definido dentro das áreas de ocupação histórica destes povos. Observe os mapas clicando na imagem:
Território
Hans Staden - Insulae Sancte Katthia
Os povos originários foram afetados pelo processo de colonização, assimilaram costumes, mas também ensinaram. Indígenas e europeus foram mudados no contato e apesar de todas as estratégias de apagamento histórico os povos indígenas continuam resistindo e lutando por suas terras na atualidade. Os indígenas são os primeiros brasileiros, os originários destas terras, e é inegável que hoje o povo deste país carregue forte herança da cultura indígena, seus saberes e ancestralidade.
Dinamismo cultural
Relatos eurocentrados
Os indígenas que habitavam a região da Terra Firme (São José) não podem ser apresentados apenas como vítimas indefesas dos europeus. Ao contrário do que imprimiram as narrativas históricas oficiais, os diversos grupos indígenas tiveram papeis mais que importantes no processo da colonização, deixando marcas profundas no imaginário e na forma de viver dos europeus. Foram os conhecimentos indígenas que possibilitaram aos portugueses sobreviver nestas terras.
Foto: Tatiane Klein - ISA
Comércio entre indígenas e europeus. Disponível em: https://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2015/09/
Em “Memórias históricas sobre a Província de Santa Catarina”, Manoel Joaquim de Almeida Coelho escreve, em 1877, sua versão sobre a dinâmica do contato dos indígenas da Ilha e da região da Terra Firme com colonizadores de São Vicente: "[...] seus naturaes, chamados Carijós, ou Carihós dos Patos, faceis no trato, pacíficos, e com alguma indústria, entretido depois de 1554 commercio com alguns moradores do Porto de Santos que lhes trazião em suas embarcações ferramentas, anzois, facas e outros generos que permutavam por algodão que plantavam e colhião, rêdes e índios que captivavão na guerra, ou por castigo degradavão [...];"
Agentes no contato
Entre as escassas povoações que se estabeleciam pelo interior de São José da Terra Firme, no século XVIII, e o litoral mais ocupado, restavam grandes extensões de terra que permitiam aos grupos indígenas ainda viver livremente conforme seus costumes e circular por suas terras tradicionais. No entanto, ainda no fim deste século, a administração colonial portuguesa foi se dando conta de que o processo colonizatório precisava avançar, daí a iniciativa da construção de estradas que ligassem o litoral josefense com regiões do planalto.
O sertão da Terra Firme
Caminho que ligava São José a Lages - foto de Sandro Beltrame/2016. São Pedro de Alcântara - SC
Na São José da Terra Firme do início do século XIX ainda eram os grupos indígenas da região que tinham a posse das terras do interior que, “ilusoriamente”, Portugal considerava suas. No entanto, o Vice-Rei do Brasil ao mandar construir a estrada que ligaria a recém fundada Vila de Lages (1771) ao litoral de São José dava um primeiro passo para integrar as regiões e ocupar as terras dos povos originários. Entretanto houve resistência e este projeto levou décadas para se concretizar.
Fracassos coloniais
Tropeiros em São José - Disponível em: http://cacalimas.blogspot.com/2018/11/historia-do-tropeirismo-na-sc-281.html
Alemães
A partir de 1822, o recente governo imperial percebeu a necessidade de ampliar seu poder sobre os territórios demarcados no novo país a fim de impedir uma pulverização territorial proveniente de movimentos separatistas. Assim, era necessário consolidar as fronteiras e integrar as regiões para promover o desenvolvimento do capitalismo. Desta forma, o passo seguinte do empreendimento colonial foi o incentivo a imigração de europeus, que não fossem portugueses, pois ainda pairava no ar o medo em relação a possíveis tentativas de recolonização do Brasil. Com isso, se abre a possibilidade para que imigrantes alemães pudessem se estabelecer.
Em destaque colônias fundadas em território Xokleng, as margens da estrada que ligava São José a Lages - recorte do mapa de Santa Catarina - 1907
A descoberta de fontes termais nas proximidades do Rio Cubatão, entre as montanhas do maciço do Cambirela (hoje Santo Amaro da Imperatriz), gerou conflitos entre os indígenas Xokleng (citados como botocudos) que dominavam estes territórios e os colonos ávidos em tomar posse destas fontes. Estas águas eram consideradas sagradas pelos indígenas que possivelmente conheciam suas propriedades curativas.
A construção de um posto militar nas proximidades da fonte pelos colonizadores desagradou os indígenas que se organizaram para expulsar os invasores em 1814.
Este episódio é narrado por Debret, e pode ser encontrado no livro São José da Terra Firme de Gilberto Gerlach e Osni Machado ou clicando na imagem ao lado.
A criação da Colônia Militar de Santa Tereza (1854), hoje município de Alfredo Wagner (São José no século XIX), se deu por conta da necessidade de proteger o caminho em direção ao sertão. Segundo Thiago de Souza:
"Quando o Vice-Rei Luiz de Vasconcellos, ordenou ao Governador da Província de Santa Catarina que abrisse uma estrada rumo ao planalto em direção a Lages, cumpriu o Governador esta ordem, fazendo a união do Litoral à serra. Várias tentativas foram feitas para o povoamento desta picada todas em vão, o índio não permitia. Vendo o Governo fracassado seu intento pacificamente, resolveu fundar neste trajeto Colônias Militares para darem proteção aos colonos (...)" (SOUZA, 1992, p. 36).
Engenho - herança dos tempos de Colônia. São Pedro de Alcântara. http://osoldiario.clicrbs.com.br/sc/cidades/noticia/2014/06/sao-pedro-de-alcantara-mostra-heranca-cultural-de-colonizacao-alema-4539857.html
Violência
Placa em homenagem aos soldados mortos pelos indígenas na região das termas do Rio Cubatão em Santo Amaro. A placa permanece até hoje dentro do Hotel Caldas da Imperatriz. Foto: Andréa Vicente/2020.
Resistência
Os guarani, povo indígena que até hoje se mantém mais próximo a São José, consideram a região do entorno da Serra do Tabuleiro como área de terras ancestrais sagradas. Por conta disto existem várias aldeias nesta região.
"a aldeia Morro dos Cavalos, inteiramente inserida nos limites do Parque; três outras aldeias no seu entorno: Aldeia de Cambirela, Massiambú e Cachoeira dos Inácios, e uma quarta, a de Mbyguaçu, mais distante do entorno do Parque [...] Todas essas aldeias relacionam-se social, política, parental, econômica e ambientalmente [...]" (BERTHO, 2005, p. 14 e 15)
Presença
Hoje nos territórios do atual município de São José os povos indígenas estão presentes e atuantes. No último Censo de 2010, 418 pessoas se autodeclararam indígenas. A cidade apresentou um número maior do que os municípios de Palhoça (414) e Biguaçu (307) ambos com aldeias em seus territórios. Hoje estes números devem ser ainda maiores, pois seguem a tendência de recuperação demográfica que vêm ocorrendo entre os vários grupos indígenas no Brasil. Além disto, estas pessoas que por aqui vivem representam a diversidade indígena brasileira, pois são provenientes de vários lugares diferentes que, por diversos motivos, estão em São José. Este dado nos revela que, estando na aldeia ou na cidade, eles estão presentes se adaptando e buscando meios de criar futuros possíveis. Esta presença também se dá nas escolas de nossa rede de ensino que possui hoje cerca de 40 estudantes indígenas autodeclarados, além de descendentes que não se declaram por conta do racismo.